Qual a origem da Endometriose? Com qual idade a endometriose pode surgir?
Há pelo menos 130 anos, desde o final do século XIX, pesquisadores tentam responder esta pergunta com maior exatidão. E até os dias atuais, na terceira década do século XXI, não existe um consenso entre especialistas sobre a real origem da endometriose. Naquela época, algumas teorias foram propostas para tentar explicar como a endometriose surge e, mais de um século depois, são ainda as principais teorias discutidas nos dias de hoje, consideradas as mais razoáveis e plausíveis para explicar tudo que encontramos na prática clínica.
Neste artigo, as principais teorias da origem da endometriose elaboradas serão apresentadas e alguns pontos serão discutidos, com a finalidade de entender melhor as teorias que são mais plausíveis, como que o conhecimento dessas teorias da origem pode influenciar diretamente em como tratar a endometriose e também associar quais os sintomas da endometriose podem se encaixar ou não na explicação de determinada teoria da origem da doença.
Existem dois grupos de teorias para explicar a endometriose:
- Teorias da transplantação: conjunto de teorias que defendem que a endometriose se origina do próprio tecido endometrial de dentro do útero, que, de alguma maneira, atinge a cavidade abdominal, fora do útero, desencadeando a endometriose. São quatro teorias dentro desta categoria.
- Teorias “in situ” (no local): são teorias que defendem a origem da endometriose no próprio tecido acometido, ou seja, as células semelhantes ao endométrio não viriam do endométrio que está dentro do útero mas já surgiram, de alguma maneira, no próprio tecido doente. São duas principais teorias dentro desta categoria.
Teorias da transplantação:
- Hematogênica – segundo essa teoria, as células do endométrio seriam “transportadas” pela circulação sanguínea.
- Linfática – segundo essa teoria, as células do endométrio seriam “transportadas” pela circulação do sistema linfático – vasos e gânglios.
- Iatrogênica – segundo essa teoria, as células do endométrio seriam implantadas em outra região por contato direto. Essa teoria explica bem a endometriose de cicatriz ou de parede abdominal que surge após as cesarianas, procedimento cirúrgico que expõe o endométrio na hora do nascimento.
- Menstruação retrógrada (Teoria de Sampson) – segundo essa teoria, as células do endométrio alcançariam a cavidade abdominal por refluxo menstrual pelas tubas uterinas.
Teorias “in situ” (no local):
- Teoria da “Müllerianose” ou Embrionária – segundo essa teoria, ainda no período de desenvolvimento do embrião, por fatores genéticos, ocorreria a disseminação fora do local esperado (ductos de Müller) dos tecidos epiteliais tipo-Mülleriano, que podem originar as diferentes doenças “müllerianas” – endometriose, adenomiose, endossalpingiose e endocervicose.
- Teoria da Metaplasia Celômica ou Diferenciação de células-tronco – um dos tecidos do embrião, o epitélio celômico, dá origem tanto ao tecido do peritônio que reveste toda cavidade abdominal assim como ao endométrio (cavidade uterina); segundo essa teoria, a endometriose se desenvolve a partir de um processo de transformação metaplásica (quando um tipo de tecido se transforma em outro, por diferentes estímulos) de células do ovário (epitélio germinativo) e/ou do peritônio (camada serosa de órgãos intra-abdominais).
Apesar de até o momento não existir um consenso sobre qual a real origem e qual teoria explicaria melhor esta origem, podemos destacar os principais pontos positivos e negativos de cada uma delas, entendendo qual ou quais dessas teorias seria(m) a(s) mais adequadas para explicar todos tipos de endometriose que conhecemos nos dias de hoje.
De todas as teorias da transplantação, a teoria de Sampson ou teoria da Menstruação retrógrada é sem dúvida a mais conhecida e aceita até os dias de hoje. Mas será que é a mais adequada com todo conhecimento que temos hoje em dia sobre a endometriose? Discutiremos aqui alguns pontos favoráveis e outros contrários a essa teoria da origem da endometriose.
Cerca de 90% das mulheres apresentam refluxo menstrual pelas tubas uterinas, o que torna essa teoria possível, viável. Por outro lado, a endometriose acomete cerca de 10% das mulheres. O que acontece com os 80% de mulheres que têm refluxo menstrual pelas tubas uterinas mas não desenvolvem a endometriose? Esta e outras perguntas não muito bem explicadas como por exemplo como justificar a endometriose e os sintomas a ela relacionados muito intensos na adolescência, já na primeira menstruação (menarca) ou até antes da primeira menstruação em alguns casos ou como explicar a endometriose em mulheres com malformações uterinas que não apresentam menstruação, deixam a teoria de Sampson ou menstruação retrógrada questionável.
Das duas teorias “in situ“, a teoria embrionária (ou Müllerianose) voltou a se destacar mais recentemente e despontar como uma teoria muito plausível para explicar a origem da endometriose. Após estudo embriológico em fetos humanos suportarem a presença de remanescentes müllerianos (resquícios de células endometriais primitivas) na região do fundo de saco posterior profundo e septo retovaginal, área que habitualmente encontramos endometriose, essa hipótese vem se tornando mais promissora. Além disso, os “pockets” ou falhas peritoneais estão associados a malformações congênitas do trato genital e temos uma prevalência razoável da endometriose em mulheres com anomalias Müllerianas (malformações congênitas). Mais ainda, por essa teoria, poderíamos explicar a endometriose em diferentes situações como na Sd. Mayer–Rokitansky–Küster–Hauser (ausência ou hipoplasia de útero e tubas uterinas), na adolescência antes ou logo após a menarca, em fetos humanos femininos, na ausência de menstruação e até em homens (casos raros e sob estímulos hormonais). Por outro lado, ainda fica difícil explicar por esta teoria a endometriose em outras partes do intestino, no diafragma e na cavidade torácica. Estas formas de endometriose são melhor explicadas pela outra teoria “in situ“, a metaplasia celômica.
De acordo com a teoria embrionária, poderíamos afirmar que todas as mulheres com endometriose já nascem com as células endometriais na cavidade abdominal (como foi comprovado em estudo de fetos humanos), porém, somente após os estímulos hormonais que se iniciam próximo da menarca (primeira menstruação), é que essas células seriam estimuladas e podem se desenvolver e progredir em forma de lesões de endometriose.
Conhecer as diferentes teorias e seus pontos fortes e fracos é importante também para escolher as melhores opções terapêuticas na hora de tratar a endometriose. Se entendemos que a endometriose pode se manifestar e desenvolver mesmo sem a menstruação, fica mais fácil entender que a opção do tratamento com bloqueio hormonal muito utilizada, tem como objetivo a tentativa de melhorar a dor, o sintoma e não de tratar a doença. Não devemos esperar do tratamento hormonal a diminuição das lesões ou mesmo a estabilidade das mesmas, está mais do que comprovado que mesmo com o bloqueio hormonal, na ausência de menstruação, em algumas pacientes, a endometriose pode progredir.
Também fica mais fácil compreender com o conhecimento das teorias, a ideia por trás da técnica cirúrgica da ‘peritonectomia’ que vem sendo defendida e praticada por alguns especialistas ao redor do mundo e no Brasil. Essa técnica sugere que em todas as pacientes nós deveríamos remover o peritônio do compartimento posterior (ao útero), região que engloba o fundo de saco posterior, septo retovaginal, região retrocervical, local da provável origem embrionária da endometriose segundo a teoria embrionária ou Müllerianose. Mais detalhes sobre isso no artigo, como é a cirurgia para endometriose.
Por fim, é importante salientar que uma única teoria isolada não consegue explicar todas as formas que a endometriose pode aparecer. Existe a hipótese de uma teoria unificadora, que foi proposta em 2017, reunindo as principais teorias para explicar em conjunto todos os tipos de endometriose. Essa teoria engloba a teoria embrionária, a metaplasia, a teoria genética e a teoria imunológica como fatores indispensáveis para a endometriose acontecer. Soma-se a esses fatores, os fatores hormonais e os ambientais, caracterizando a endometriose como uma doença de causa multifatorial.
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Dr. Giuliano Borrelli
CRM: 116.815 – RQE: 55.634-1
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